Entre 2000 e 2017, o número de pretos e pardos graduados em universidades aumentou quase quatro vezes. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), eles já são 50% dos alunos do ensino superior em geral, o que, considerando que representam 56% da população brasileira, é um número bastante significativo. Nos cursos de Medicina, a média é bem menor, mas também vem aumentando gradativamente. Sendo assim, por que ainda é tão difícil encontrar um médico negro?
“Profissionais negros existem, mas são invisibilizados no mercado de trabalho”, explica Igor Leonardo, cofundador da AfroSaúde, uma startup cujo objetivo é diminuir a distância entre profissionais de saúde negros e pacientes. “Quando a gente chega em um hospital, encontramos muitos negros, mas raramente ocupando cargos de liderança. Se você buscar um médico em plataformas online, a maioria dos resultados será de médicos brancos. Tanto na assistência privada quanto na pública, os profissionais negros enfrentam muitos obstáculos, o que se reflete na dificuldade em encontrá-los”, afirma.
De acordo com Igor, há resistência da população em reconhecer e até mesmo aceitar que aquela pessoa negra de jaleco é um profissional da saúde. Os pacientes acham que é um técnico, um atendente ou um estagiário, mas nunca o médico responsável pela assistência.
Outro agravante está relacionado aos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). A touca para prender os cabelos é muito pequena, pensada para cabelos lisos e pouco volumosos. Médicos com tranças, dreads, black power e outros penteados afro acabam tendo de recorrer ao turbante, que pode ser considerado inapropriado pelas regras de alguns hospitais, o que inclusive chega a impedir o trabalho desses profissionais.
“A partir daí, já é possível entender o tamanho do desafio. Eles têm que lutar para permanecerem nesses espaços – seja pela própria aceitação, seja pela dificuldade de utilização do material”, destaca Igor.
Com os pacientes, a violência continua
No caso daqueles que procuram atendimento, a situação não é muito melhor. Um estudo americano mostrou que os oxímetros utilizados para medir a saturação de oxigênio (muito populares durante a pandemia de covid-19) são aproximadamente três vezes mais imprecisos na oximetria de pacientes negros. Isso porque a forma como a luz do dispositivo é absorvida por pigmentos da pele mais escura pode atrapalhar a leitura.
“É possível que a pessoa esteja sentindo falta de ar e o oxímetro indique oxigenação normal. Que população essa ferramenta se propõe a atender?”, questiona Igor.
O cofundador da AfroSaúde conta ainda que a maioria das pessoas os procuram para encontrar psicólogos. Muitas vezes, diante de um profissional branco, pacientes negros têm mais dificuldade de relatar episódios de racismo, pois é preciso validar a discriminação para só depois trabalhar a questão. “O paciente já sofreu uma violência e tem que passar por outra para provar que sofreu a violência”, afirma.
Existem também relatos de violência obstétrica, os quais se confirmam a partir dos números no Brasil. Em 2014, segundo pesquisa nacional da Fiocruz, as mulheres negras enfrentavam um risco 50% maior do que as mulheres brancas de não receberem anestesia durante a episiotomia (corte no períneo feito para facilitar a passagem do bebê no canal do parto). Segundo os pesquisadores, essa discrepância entre os índices se baseia em ideias falsas, como a de que as mulheres negras seriam mais fortes e resistentes à dor.
“A discussão é justamente como inserir esses pacientes em um ambiente que é embranquecido de todas as formas ao ponto de se criar soluções sem se pensar nos diversos tipos de corpos, de cabelo ou de pele que existem”, destaca Igor.
Fonte: Drauzio Varella
Comments